Revista MIX: A celebração da vida e obra do grande mestre e artista Titi Roth

Revista MIX: A celebração da vida e obra do grande mestre e artista Titi Roth

Foto: Claudio Vaz


As 245 obras, entre desenhos, infogravuras e pinturas, que tomam conta das paredes da Sala Jeanine Vieiro, do Museu de Arte de Santa Maria (Masm), ajudam a contar a história de João Luiz Roth, conhecido como Titi Roth.
Sem produzir desde 2015, em função das limitações enfrentadas por um aneurisma no cérebro, Roth, que está acamado desde então, foi um dos artistas que participaram da construção e revitalização do Masm. Por esse motivo e por suas obras icônicas, o artista recebe a homenagem da série Os Grandes Mestres no Masm, com a exposição. Com curadoria e expografia de Márcio Flores, a exposição, que teve vernissage na última segunda-feira, demonstra os diversos talentos e técnicas de João Luiz Roth, como a exploração do desenho bico de pena, com as hachuras, e o pioneirismo nos processos híbridos, como o estudo das infogravuras. Márcio conta que o processo curatorial foi desafiador, devido à extensa produção de Roth:
– Todas as obras dele são magníficas, o que tornou o processo de escolha de certa forma doloroso. Foram escolhas difíceis, porque a cada peça retirada, sabíamos que ela não seria vista pelo público.
Márcio conta que o projeto Os Grandes Mestres no Masm tem o intuito de homenagear talentosos nomes das artes visuais e plásticas que passaram ou tiveram uma ligação com o Masm.
– Homenagear o Roth é muito importante, pois ele faz parte da história do museu, e também pelo legado cultural e artístico. Ele tem uma produção em arte impecável e, sem dúvida alguma, uma das mais importantes no contexto da arte brasileira. Todas as obras dele têm um atrativo, uma complexidade e técnica excepcional – diz.


UMA VIDA VOLTADA À ARTE

Nascido em 1951, o santa-mariense João Luiz Roth esteve inserido em contextos onde a expressão artística e a educação eram valores centrais da vida diária. Filho do coronel Aldônio Roth e da designer de moda Julitha Roth, viveu boa parte da infância no Rio de Janeiro. A mãe de Titi faleceu quando ele tinha apenas 7 anos, o que o levou a ir morar com a avó e as tias paternas em Porto Alegre. A avó era uma pintora com ideias à frente do seu tempo, cuja visão sobre educação foi reconhecida ao nomear a Escola Estadual de Ensino Fundamental Marieta D’Ambrósio, em Santa Maria.

Aos 18 anos, Titi começou a trajetória acadêmica na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde se graduou em Desenho e Plástica. Os desenhos eram uma forma de transmutar frustrações e traumas. Assim, ele percebeu a arte como uma forma de vida e seguiu produzindo com dedicação intensa e exclusiva. Ele desenvolveu uma linguagem própria de desenho, reconhecida por outros artistas como o “método Roth”.

Tornou-se professor da disciplina de desenho na UFSM, aos 23 anos, e acumulou premiações e reconhecimentos. Inclusive, foi uma dessas premiações que o levou a estudar em Madrid, com bolsa na Escuella Superior de Bellas Artes de San Fernando. Ainda se destacou na área da educação como pró-reitor, vice-reitor da UFSM, secretário de Cultura e secretário de Educação na administração municipal. Uma das características de Roth é a transdisciplinaridade da arte, que tem referências da literatura e escritores nacionais internacionais, como Érico Verissímil, Mário de Andrade, Fernando Pessoa, García Lorca, James Joyce e Luís de Camões. A conexão com o universo literário se expandiu quando Titi decidiu cursar o doutorado em Letras, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS).


GERAÇÕES DE ARTISTAS

O cheiro de tinta era característico na sala da casa de João Luiz Roth, afinal, o ateliê ficava ao lado da mesa da sala, do sofá e da televisão. Neto de pintora e filho de designer de moda, João Luiz Roth levou a arte para o cotidiano das filhas Antônia (à dir.), 37 anos, e Vitória (à esq.), 36 anos. Mesmo enquanto faziam as refeições e as lições de casa, elas viam o pai desenhando.

– Toda vez que a gente passava pela sala, passávamos pelo ateliê dele. Lembro que uma das nossas diversões era tirar pedacinhos de tinta acrílica grudada nos pires, que tinham cores lindas – relata Antônia.

A técnica da “hachura”, traços finos paralelos ou cruzados, que dão um efeito de sombra ou profundidade, foi uma das que João Luiz Roth transmitiu para as filhas. Antônia Motta Roth aprendeu um exercício de “hachuras” aos 8 anos e ainda utiliza a técnica nas obras dela. Inclusive, uma está na exposição Grandes Mestres do Masm: João Luiz Roth e retrata o pai com o exercício que aprendeu quando criança.

Formada nos cursos de Psicologia e Desenho Industrial, Antônia foi duplamente aluna do pai, em casa e na graduação, onde Titi lecionava a disciplina História da Arte. O gosto pelos desenhos também chegou à geração mais nova da família Roth. Cecília, 5 anos, filha de Antônia, ama usar cores nos desenhos que faz. Além de pintar quadros, fala que tem vontade de ensinar também:

– Ela diz que uso muito preto, por causa do nanquim, e que pode me ensinar como usar melhor as outras cores. Ainda diz que desenha bem, afinal, mamãe e vovô são artistas – comenta Antônia, grávida de Madri, que chegará em breve ao mundo e será a sexta neta de Roth

Na casa de Vitória Motta Roth Soldera as paredes estão enfeitadas com oito quadros do pai. Ela confessa que guarda muitas outras obras com carinho. Mãe das pequenas Maia, 7 anos, e Lívia, 5 anos, vive contando histórias do avô para as filhas, como da época em que ele organizava jantares étnicos com os amigos, com direito a enfeites temáticos:

– A sorte da nossa família é que, além da memória, teremos sempre ele nas nossas paredes através de seus quadros – relata.

André Limoeiro Roth, 44 anos, o primeiro filho de Titi, é sociólogo e atualmente vive no Rio de Janeiro. Pai de Beatriz, 10 anos, e Chico, 1 ano, transmite os valores da arte para os filhos, que adoram desenhar e conhecer as obras do avô.

O sociólogo reconhece que, além de um artista fascinante, o pai era um intelectual que compartilhava conhecimento sobre vários assuntos, entre eles, literatura e o próprio fazer artístico:

– Eu gostava de ficar perto vendo o meu pai pintar, era muito interessante. Eu perguntava o que ele estava pensando enquanto estava pintando. Meu pai sempre foi muito generoso em relação a dividir as técnicas e o que as artes representavam ou não – comenta.

Muitas das obras que Titi fez não foram catalogadas imediatamente na época em que foram feitas, outras ficaram com os familiares. Para a exposição, foi feito um resgate dos trabalhos do artista desde 1970, inclusive dos que estavam na sala da casa dos filhos. A obra mais recente de Titi é de 2015, ano em que ele começou a se recuperar da cirurgia que fez em 2013, por conta de um aneurisma no cérebro. Atrás do último desenho, um lembrete escrito à mão: “Depois de dois anos, este é meu primeiro desenho. Ainda tenho um longo caminho a percorrer, mas o primeiro passo foi dado”.


O LEGADO DE TITI ROTH

Désirée Motta Roth

– Professora aposentada e esposa de João Luiz Roth

“A dimensão civil do Roth – marido, pai e avô – deve ser descrita em grau superlativo: como um ser extremamente amoroso e inteligente, adoravelmente artístico, supremamente político e agudamente observador da natureza humana, alguém que, na vida e na arte, compreendia e aceitava a complexidade e a diversidade do mundo e dos que nele habitam. Um homem que conseguia ver a riqueza da existência, articulando, em sua arte, temáticas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão relacionadas como, por exemplo, humor, sarcasmo, religião, política e erotismo, de modo a lhes dar igual relevância e valor, respeitando a natureza do humano.”


Ana Dornelles Macedo

– ex-aluna na UFSM

"Titi Roth é presença marcante na minha formação! Privilégio ter sido aluna deste artista incrível, completo, exímio desenhista! Grande Mestre, homem de energia inquietante, contagiante, que sempre pensou a educação e a cultura, como parte essencial da existência humana. Admirável artista, seu estilo é singular, genuíno! Livre! Identidade forte, na intensidade do seu gestual, de ponto a ponto, em cada traço, linha, forma, detalhes, criando cenas que nos encantam, como mostra a grandiosidade e beleza de sua obra, exposta no MASM! Sim, o filho desta terra, João Luiz Roth, colocou Santa Maria no cenário das Artes Visuais Contemporânea. Uma vida dedicada à Arte, desenhando uma trajetória admirável! Foi emocionante o reencontro com sua produção artística, me trouxe as melhores lembranças. Seu jeito gentil de ser e seu sorriso largo, imprimiram suas aulas, que foram além do ensinar a desenhar, mas, instigar e encorajar, na busca incessante por uma identidade visual e encontrar na arte, uma forma de reflexão, compreensão e expressão do mundo e do que somos… "A vida é a descoberta" escreveu em sua gravura, que me presenteou, quando Paraninfo de nossa turma, na UFSM. Gratidão, querido professor e amigo Titi Roth!"


Juan Amoretti

– Professor de artes e ex-colega

“Considero o Tite um dos maiores desenhistas, seus trabalhos são muito ousados com resultados muito contemporâneos. A técnica que mais usou são seus desenhos com nanquim e bico de pena, conseguindo com as “hachuras” um inconfundível estilo que levou mundo afora, tornando-se assim, uns dos mais importantes artistas dentro das Artes de Santa Maria.”


Ceres Zago

– Professora aposentada e ex-colega

“Pensar no Roth, para mim, é reverenciar a arte, os desenhos dele e a criação artística. Conheci o Roth na década de 1970 no Centro de Artes e Letras (CAL), onde ele foi professor. Admirava muito a habilidade manual dele e o traçado dos desenhos. A arte era um aspecto do cotidiano que fazia parte da vida dele. A vida do Titi era desenhar, trabalhar na prancheta com nanquim e acrílico. Sempre foi muito caprichoso e metódico no trabalho.”


Josias da Costa Ribeiro

– ex-aluno

“Falar de João Luiz Roth é falar de vanguarda, de técnica apurada, de traço perfeito! Um artista inquieto que sempre buscou novas técnicas e foi a tecnologia que, mesmo sendo desacreditado na época, deu a ele novos horizontes e infogravuras lindas surgiram, releituras impressionantes foram criadas e isso tudo é o que encontraremos na exposição hora apresentada. Roth foi meu chefe, foi meu professor, foi meu colega, foi meu secretário, mas, antes de tudo isso, o considero meu amigo, que muito me ensinou sobre arte e sobre pessoas. Sua Arte é linda, tem sensibilidade, tem cuidado, tem técnica, tem sensualidade e, mais do que isso tudo, tem emoção.”







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Mirella Joels

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